Novos fósseis bagunçam evolução do homem

F. Spoor e J. Reader/Museus Nacionais do Quênia
Comparação entre o crânio recém-encontrado (o menor, em cima) e um crânio de H. erectus de grandes dimensões sugere que a espécie poderia ter grande diferença de tamanho entre machos e fêmeas (Foto: F. Spoor e J. Reader/Museus Nacionais do Quênia)


Um dos poucos fatos aparentemente sólidos sobre a evolução humana pode cair por terra por causa de um crânio nanico e um pedaço de maxilar. Os dois foram achados a leste do lago Turkana, no Quênia, e podem indicar que dois dos mais famosos ancestrais do homem moderno, o Homo habilis e o Homo erectus, não são "pai" e "filho" evolutivos, respectivamente, mas sim "irmãos" -- duas espécies que descendem de um ancestral comum e evoluíram de forma independente.

A conclusão está num artigo na revista científica "Nature" . E não é a única reviravolta sugerida pela equipe liderada por Fred Spoor, do University College de Londres. O tamanho diminuto do novo crânio pode indicar que, tal como os gorilas modernos, o Homo erectus tinha uma diferença gritante de tamanho entre machos e fêmeas da espécie. A idéia bate de frente com a imagem que se tinha do H. erectus, hoje considerado o primeiro hominídeo a viver e se comportar de forma significativamente parecida com a do homem moderno.

O cenário evolutivo mais aceito até agora costumava ver uma sucessão clara entre o H. habilis e o H. erectus. O primeiro teria surgido por volta de 2,3 milhões de anos atrás, no leste da África, e usado pela primeira vez ferramentas de pedra fabricadas por ele mesmo (daí o nome latino de "hábil"). Era um hominídeo pequeno, pouco maior que um chimpanzé moderno. Já o H. erectus, suposto descendente direto e substituto do H. habilis, teria surgido por volta de 1,9 milhão de anos atrás e desenvolvido um cérebro com dois terços do volume do nosso, assim como tamanho e proporções do corpo praticamente iguais ao do homem moderno.

"O que o nosso trabalho exclui totalmente é a idéia de uma única linhagem, sem 'galhos', na qual um se transforma no outro", disse ao G1 Susan C. Antón, pesquisadora da Universidade de Nova York e co-autora do estudo. Na mesma região de Ileret, no Quênia, a leste do lago Turkana, a equipe achou tanto a parte de cima de um crânio de H. erectus, com idade estimada em 1,55 milhão de anos, quanto um pedaço do maxilar de um H. habilis, com 1,44 milhão de anos, segundo seus cálculos.

Convivência incômoda
Isso significa uma convivência extensa das duas espécies tanto no espaço quanto no tempo -- cerca de meio milhão de anos. Os pesquisadores também consideram que não é possível ter certeza de que os fósseis mais antigos do gênero Homo na África sejam mesmo do H. habilis.


Crânio de H. erectus tem tamanho diminuto e foi achado no Quênia (Foto: F. Spoor/Museus Nacionais do Quênia)

O mais provável, segundo eles, é que as duas espécies tenham evoluído de um ancestral diferente e ainda desconhecido. Por terem passado tanto tempo lado a lado, elas teriam se adaptado a nichos ecológicos diferentes -- como a boca e os dentes do H. habilis são maiores e mais reforçados que os do H. erectus, uma possibilidade é que o primeiro se alimentasse mais de vegetais que o segundo, mais adaptado à dieta com carne.

E quem seria o ancestral misterioso? Spoor admite que ele poderia ser a espécie representada pelos fósseis de 2,33 milhões de anos atrás, achados na Etiópia. "Os pesquisadores que o descreveram se referem a ele como Homo com afinidades habilis. O problema é que se trata de um fragmento, com pouca morfologia preservada para que possamos ter certeza", diz ele.

Antón diz que, de qualquer maneira, as descobertas traçam um cenário complexo. "Nós mostramos que, em Turkana, os dois não eram uma única linhagem. Mas isso não quer dizer que foi lá que eles evoluíram pela primeira vez -- poderia ser na Etiópia. Em vez de uma evolução gradula e linear de uma espécie na outra, pode ser que em outro lugar uma população de H. habilis já existia, da qual se separou um grupo fundador. Esse grupo poderia ter sofrido outras pressões seletivas, transformando-se no H. erectus. E, no fim, descendentes da antiga população H. habilis poderiam ter se encontrado com a nova espécie em Turkana", explica ela.

Já a variação de tamanho observada entre o novo fóssil e os H. erectus já conhecidos chega perto da que se vê entre dois gorilas -- primatas entre os quais a fêmea pode ter só metade das dimensões do macho. Se o mesmo era verdade entre os H. erectus, coisa que ainda precisa ser provada, isso pode significar que a espécie formava haréns, tal e qual os gorilas modernos. Isso porque costuma haver uma correlação clara entre tamanho relativo de machos e fêmeas e hábitos de acasalamento. Quanto maior o macho for proporcionalmente, maior a chance de que um só monopolize várias fêmeas.

"Nós propusemos essa explicação com muito cuidado, porque não sabemos o sexo de quase nenhum dos fósseis de H. erectus", diz Antón. "Podem existir outras explicações, como adaptação a diferentes ambientes, embora uma variação tão grande quanto essa num intervalo de tempo tão curto não foi vista até agora. O que vemos está mais perto do que vemos em espécies vivas com muito dimorfismo sexual, e há alguns casos em que há indivíduos muito grandes e muito pequenos lado a lado, como em Dmanisi, na Geórgia", lembra ela. [Fonte: G1]

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